segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Janela

Hoje comecei a estragar nosso pequeno livro de poesias. Que de papel frágil não aguentaria o sal de minhas lagrimas.

Mas chorei justamente por lembrar do dia em que você apareceu sorrindo - sempre sorrindo - em minha janela. Como uma visita de interior. E me pegou lendo os dois livretos que inauguravam nossa biblioteca póstuma de amores descritos, e  recados não dados.

Te mostrei fisicamente aqueles que já tinha visto em foto. Você leu tudo, em silêncio, com apreensão nos olhos, ânsia nos dedos, e o sorriso silenciado na boca. 

Quando devolveu, achei estranho o entrelaçar dos livros com páginas semiamassadas e um aparente descuido que não costumava ser seu. Meu TOC, que não faltou naquele momento, me fez logo desembaralhar aquela que seria a maior declaração de amor que eu jamais receberia.

Ao tirar as folhas de dentro umas das outras, ouvi seu “não!”. E demorei pra entender que um coração - canceriano - estava se apoiando ali, naquele emaranhado de palavras que, ao se fechar, se mostravam. Você assumiu que ali estava o recado, e eu implorei pra colocá-lo de novo. Nunca quis tanto um livro desorganizado novamente.

Mas você endureceu a cabeça e jurou de pés juntos que já era. Agora não dava mais.

O outro, de fato, eu nunca descobri qual era. Mas essa, que soube depois, me fez molhar as páginas de caju ainda há pouco, de novo. E o mesmo coração desesperado, o mesmo frio que enlouquece as mãos, que me tomaram duas noites depois no sofá do outro hotel - me ensurdeceriam se tivesse os lido naquela primeira vez. Eu tremeria junto contigo e com o poeta, por não ter de perto o teu perfume me impregnando.

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