sábado, 27 de agosto de 2016

Deixa

Tudo o que eu tenho pra te dizer
É nada
Nada bóia mergulha em meu mar
Afoga-se de tempo
Respira
Acelera
Treme
Goza
Em mim
Mergulha
E deixa estar

Submergido em nosso tempo agora
Em nossa ansiedade depois
Deixa estar

Nosso passado claro
Cinza
Límpido
Afogado
Deixa estar

Deixa
Eu ficar
Faz de conta que sou a primeira
Das últimas
Do fim de um antes de dúvidas
Pra um começo de esperas e certezas
(ou não)

Deixa
E me escuta
Dizer que nada
Valeria mais a pena

E não diga nada
Só soletra
Grita
Decifra
E cala

Que tudo o que quero ouvir de ti
É nada



Sobre o ter que ser mãe.

Para mim a gravidez foi um respiro. Um suspiro, às vezes, também. Mas um respiro. Uma desculpa pra poder falar que não vai dar. Que não quero, não posso, cansei. Ai, enjoei. Não vai dar.
E as pessoas aceitam, entendem, ajudam, deixam passar.
E passa.
A gente se prepara tanto pro parto, normal, natural, anestesia, música, roupa... Que se esquece que ele é só uma passagem.
O parto é uma passagem pelo canal vaginal, e uma passagem para outra vida. Para uma outra rotina, outro papel, outro re-conhecimento (você se re-conhece como mulher, os outros te re-conhecem como mãe, você re-conhece seu bebê).
O parto é uma passagem. Uma passagem dolorida. Ardida. Dói. Dói sair do útero, arde sair da vagina, dói mudar a rotina. Dói não dormir. Dar o peito dói. Dói muito. O bico arde. Tem palpite (e sempre tem palpite!) ardido. Encardido. Dói ouvir noticia ruim de médico. Dói.
Tornar-se mãe de um ser fora de si, mas ligado, plugado, dependente, esfomeado, dói.
É um processo, uma costura alinhavada a cada dia. E quando pensamos que demos um ponto bem feito, a fralda vaza, o bico racha, o bebê acorda e começa tudo de novo.
Nosso corpo muda. Nosso olhar para nosso corpo muda.
Por alguns anos (antes), tudo o que vemos no espelho são nossos defeitos. Pernas, nariz. Cada uma tem sua nóia. Então estamos nóiocêntricas.
Até olhamos para pontos positivos, cabelos? barriga?, o que for, mas no geral perdemos muito mais horas de espelho tentando corrigir ou disfarçar nossos problemas.
Depois, por 9 meses, ou 39 semanas, viramos seres barrigocêntricos.
Tudo vira barriga. Quanto cresceu, se está baixa, alta, redonda, pontuda, mexendo, enjoando, chutando. Se deu estria. Tudo é barriga.
E depois de alguns minutos (poucos e eternos minutos) vaginais, pronto, mais uma passagem: peitocentrismo.
Viramos peito. Peito, mama, teta, bico. Viramos leite.
Viramos feridas, rachaduras, empedramentos. Viramos dores, mais uma vez, antes de prazeres (porque dizem que sim, fica prazeroso!).
Mas viramos peito. E temos que ter muito peito. TEMOS que ter. Peito pra dar. Muito peito pra ser mulher, pra ser mãe.
Se não, ai.