segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Janela

Hoje comecei a estragar nosso pequeno livro de poesias. Que de papel frágil não aguentaria o sal de minhas lagrimas.

Mas chorei justamente por lembrar do dia em que você apareceu sorrindo - sempre sorrindo - em minha janela. Como uma visita de interior. E me pegou lendo os dois livretos que inauguravam nossa biblioteca póstuma de amores descritos, e  recados não dados.

Te mostrei fisicamente aqueles que já tinha visto em foto. Você leu tudo, em silêncio, com apreensão nos olhos, ânsia nos dedos, e o sorriso silenciado na boca. 

Quando devolveu, achei estranho o entrelaçar dos livros com páginas semiamassadas e um aparente descuido que não costumava ser seu. Meu TOC, que não faltou naquele momento, me fez logo desembaralhar aquela que seria a maior declaração de amor que eu jamais receberia.

Ao tirar as folhas de dentro umas das outras, ouvi seu “não!”. E demorei pra entender que um coração - canceriano - estava se apoiando ali, naquele emaranhado de palavras que, ao se fechar, se mostravam. Você assumiu que ali estava o recado, e eu implorei pra colocá-lo de novo. Nunca quis tanto um livro desorganizado novamente.

Mas você endureceu a cabeça e jurou de pés juntos que já era. Agora não dava mais.

O outro, de fato, eu nunca descobri qual era. Mas essa, que soube depois, me fez molhar as páginas de caju ainda há pouco, de novo. E o mesmo coração desesperado, o mesmo frio que enlouquece as mãos, que me tomaram duas noites depois no sofá do outro hotel - me ensurdeceriam se tivesse os lido naquela primeira vez. Eu tremeria junto contigo e com o poeta, por não ter de perto o teu perfume me impregnando.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Everybody lov...

É que essa música é um convite
pra olhar pro horizonte
acender a fagulha
pousar no silêncio 
e sentir tua mão tímida em minha coxa.

Renda-se

Essa madrugada rendeu
Foram horas e horas querendo dias e noites
Aquelas madrugadas
Porque essa rendeu
Revendo em alta qualidade as telas daquele tempo
Em que ouvia sorrisos e desejos
Via peles e vontades
Essa madrugada rendeu
E peço pra que renda cada pedaço de um manto leve, mas forte, que me proteja dos ventos frios
Que seque o pranto de quem se rendeu.
Porque molhada preciso de mais temperatura para sossegar cada músculo
E não tremer
Molhada preciso de mais tempo
Pra sossegar cada soluço
E não temer
Que essa madrugada renda
Como essa
Rendeu

Ex pera

Eu separo roupas 
pro nosso encontro

que nem marcamos.





Eu ainda separo roupas
pro nosso encontro

que nem marcamos.





Eu separo roupas
pro nosso encontro

que nem marcamos,
ainda.

Calendário

Hoje faz 365 dias que te quero ver.
364. No primeiro eu confundia teu nome.
Depois não se passaram 24 horas seguidas em que teu nome não ecoasse em minha mente. Em que eu não ouvisse sequer uma letra.
Que sinto ainda, na minha coxa, a falta da sua mão.
Hoje faz 364 dias que eu imagino sua pele. Que eu penso que nunca a tocaria. Que eu a toco. Que eu preciso tocá-la de novo.
Hoje foi o quarto dia, em cerca de um mês, que te toquei em sonho. Que te encontro em sua casa, na minha, no chão, na rede. Que senti nossos dedos - dos pés -  se entrelaçando. Por que não das mãos?
Hoje faz 363 dias que minhas mãos te escrevem. Que te digo pra alguém. Que te registro em nota. Que te publico em poema.
Hoje faz uns 360 dias que te posto em alguma foto que sei que vai gostar. Que te sigo. Passo embaixo da sua sacada. Tento fazer teu caminho. Salvo oculto tuas fotos. Abro teus links. Tento te ler mesmo sem respostas. Finjo não te seguir mas me invento em outro perfil.
Hoje faz 364 dias que olho pros teus olhos. Vejo os dentes do teu sorriso. Hoje faz 363 dias que observo o movimento disforme de tuas sobrancelhas quando sorri. O abaixar do teu queixo em direção ao próprio peito, enquanto abre os ouvidos e os olhos para me reverenciar. O curvar de suas costas. Como se meus teoremas valessem atenção.
Faz 363 noites que te encontro em toque, sonho ou lágrima.
Hoje faz mais de 350 dias que bolo planos. Traço rotas. Penso em cartas. Calculo palavras mais ou menos explícitas pra te mostrar quem sou.
Pra te mostrar que te quero.
Faz 364 dias que te quero perto. Que te quero ouvir. Que te quero rir. Que te quero tocar.
Faz 364 dias que quero dormir sem hora pra acordar. Que quero ver brilhar a luz ainda em seu peito. 
Hoje faz 365 dias que a Terra rodou. Que eu girei. Que dei a volta em alguns medos e conquistas. Que rodei discos buscando nosso som. Que aquele virou nosso sol.
Hoje faz 365 dias que espero. Que acredito. Que quero. Que não devo.
Sem dívidas.
Nem um dia a mais, nem a menos. 
Faz 365 dias que não tenho.
Hoje.
Faz 365 dias que não temo.

Eu estava bem


Até te engolir em sonho
E minha pele precisar de novo da tua
Entrando
Aqui

Você me dá torcicolo

É como reler um livro bom. 
Já sabendo o final, o meio e o começo.
Só que conhecendo mais da protagonista do que da leitora.

É como estar sempre em terapia.
Chafurdando dados, iluminando buracos,
tropeçando em silêncios.
Sem nunca se saber no suficiente.

É como sustentar um vôo sem asas.
Dar de cara no chão, várias vezes.
Sem se contentar em andar.

É como correr da falta de horizonte.
Não querer olhar pro lado,
pra mesmo doendo, 
olhar só para trás.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Pra onde?

Onde é o seu diário?
Onde você publica seus desejos
Delata seus afetos
Onde que você ataca, de peito aberto?

Onde?
Que não são fotos que te publicam
Não é em público que você se revela

Você discursa bem, eu sei
Faz boa panfletagem

Mas onde que se cala?
Quando você chora? E molha aquelas letras que não são falsas mas são portões 
De ferro
Que protegem e intimidam
Não deixam ninguém entrar
Como se cada espaço daí de dentro já estivesse preenchido

Mas já vi seus vazios. Cadê eles?
Onde foram parar seus silêncios?
Suas incertezas? Cadê?
Onde que suas palavras morrem, e nasce um peito sem ar

Cadê seu olhar? Por trás dos filtros
Cadê seu dia dando errado
Onde foram parar suas dúvidas?
Seus erros?

Sem textos longos, sem caracteres
Cadê você escrito à mão 
Desenhado à pele

Onde estão seus poros?
Que ardem
Cadê seu fogo, não sua brasa
Seu gozar, sem seu curtir


Pra onde você vai
Se
Mudar?


#tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor

terça-feira, 26 de maio de 2020

Graus Centímetros

Ainda bem que estava frio
porque eu podia dizer que era só o frio
o que me fazia tremer por dentro com os poucos centímetros que distanciavam sua pele da minha

Corro

Corro
um
feed
como
quem
procura
uma
carta
de
amor

Abro
páginas 
vasculho 
email

como
se
novas
palavras
suas
fossem
chegar

Procuro
fotos
resgato
músicas 

esperando
ver
e
ouvir
seu
coração 
pulsar

de
novo

Rodapé

Cada foto que eu tiro é para que você saiba onde eu gostaria que você estivesse.

Despida

Primeiro me despedi do seu sexo. 
Da sua pele. Do seu toque. Da minha mão em seus cabelos e da sua mão em mim.
Me despedi da língua. Dos lábios. Das gotas. De ver de perto. Do silêncio.

Depois me despedi de suas palavras. Das canções. Dos poemas. Me despedi de cada café, cada bicicleta, cada jogo. Me despedi do óculos, da batata, do caminho. Me despedi do mar. E de todas as outras coisas que fariam você lembrar de mim.

Assim, me despedi da dúvida. Do imenso prazer de te ver na dúvida. Sem saber. De te ver querer, mesmo sem poder. Me despedi do sonho compartilhado. Da esperança que teimava em nos visitar. Me despedi dos planos, e de todo aquele futuro. Me despedi das lágrimas, dos abraços e dos sorrisos que daríamos juntos.

Agora, por fim, me despeço de sua atenção. Do interesse constante, da procura, do saber. Me despeço da vontade incontida de estar perto. Me despeço do antigo lugar de prioridade. Me despeço do descontrole, do impulso, do costume. Me despeço do cuidar junto. 

Tem sido assim. Por partes. Aos poucos. Dolorido. Esquisito. Longo, e bonito.
Assim que tenho me despedido de você.